quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sombras da Alma

  O desamparo dos depressivos

  Vivemos tempos de modernidade líquida, segundo o Psicanalista Zygmunt Bauman , que definiu a modernidade não mais como sendo sólida, onde as instituições em geral despertavam segurança, confiança, mas, ao contrário, como sendo líquidas. Logo, o próprio laço amoroso vem se transformando como um amor líquido, os valores educativos perderam consistência, gerando uma educação líquida. Na modernidade atual, as pessoas não sabem mais onde se apoiar, em quem confiar. Por quê? Porque as instituições perderam sua solidez, estão mais frágeis, com certas éticas muitas vezes duvidosas. A educação diminuiu seu poder, com pais desnorteados e professores desvalorizados. As igrejas passam por dificuldades, a fé se mesclou com as finanças, com o crescimento dos efeitos midiáticos. A política tem sido desprezada pelos eleitores, que andam desanimados. Então há uma sensação de insegurança no futuro, de falta de um projeto social mais amplo. Logo, a pergunta que se escuta: Onde é que podemos nos apoiar?
   Há momentos em que falta o chão para se apoiar e muitos afundam, se deprimem. A modernidade líquida talvez seja um dos fatores essenciais do aumento do desânimo, da tristeza, da apatia, da falta de energia, da falta de confiança no futuro. O resultado de tudo isso tem sido um incremento do consumo das drogas, que têm o poder de aliviar as angústias e as depressões, mesmo que seja momentâneo; entretanto, com o tempo, levam à destruição. 


   Uma criança, quando nasce, está completamente desamparada. Quem já viu, por exemplo, um cachorrinho nascer, ou um gatinho, sabe que com um mês de vida é um gato, um cachorro, não um bebezinho que recém nasceu. Já os bebês de um mês, dois meses, são muito desamparados, não são capazes de se sentar. Quando nascemos, somos frágeis, totalmente dependentes. Esse desamparo inicial irá diminuir ao longo da vida; a criança crescerá, entretanto seguirá gerando efeitos, porque ocorrem situações de crise, momentos de perplexidade. Então irrompe desamparo frente a um choque, um trauma, as tensões nos vínculos afetivos, frente às novidades do dia a dia, o cotidiano da violência e crueldade. O desamparo faz parte da condição humana. A pergunta agora pode ser: E onde se procura amparo? 
   Felizmente, não se vive sempre desamparado. Depressões são as formas como se pode reagir diante dos mais variados desamparos, quase sempre vinculados a perdas, ao vazio, à falta.


   Portanto, as depressões podem ser pensadas como expressões de desamparos. Na verdade, todo deprimido vive um vazio de sentido, com uma baixa autoestima. As cores vitais desbotaram e as alegrias voaram. O depressivo foge do presente, dorme, não come, ou come muito, não vê mais graça em acordar, não pode mais brincar. Logo, a desgraça é seu norte, e às vezes até se aproxima da morte. Contam uma história em que o escritor James Joyce vai falar com Jung porque sua filha não está bem, na verdade ela tinha uma esquizofrenia. Então Joyce disse: “Veja, aqui está o que minha filha escreve, me diga se isso não é obra de um escritor como eu?”. E Jung disse: “Onde tu nadas ela sucumbe”. Ou seja, Joyce escreve e assim nada, flutua; sua filha, mesmo escrevendo, está afundando. Então, o vazio de sentido, o afundar, a tristeza, a autoestima baixa, a fragilidade psíquica se impuseram. Nem sempre se constrói um sentido diante do vazio de sentido, mas este é o desafio: construir o sentido, ser reconhecido nas relações amorosas, manter algum entusiasmo por sua existência, enfim, um desafio de todos nós. E essa construção da existência é um desafio fantástico que só termina na morte.
   A vida está sempre em movimento, os estímulos criativos são dados pelos obstáculos das novas metas. A reconciliação do que buscam todos os depressivos, e a dos que não são, talvez seja a de ser reconhecido, o objeto central de toda demanda de amor. Que cada um de nós possa ir construindo, só e em grupo, a reconciliação consigo mesmo, com a condição humana. Para tal é preciso diminuir a dependência de amor do outro, porque só assim nos sentimos livres. Com liberdade a vida se transforma, é possível voar e criar, com amor e fé. Por sinal, tanto os depressivos como todos os sofredores, e os que não são, vivem com entusiasmo quando aliam o amor e a fé na existência.



Texto extraído do Livro Sombras da Alma
               Tramas e Tempos da Depressão P.9 a 14



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