quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A ampulheta



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   Somos egoístas quando queremos prolongar a qualquer custo a vida de quem não queremos ver partir. A vida vai dando sinais de que é hora de fechar as cortinas e nós insistimos que não. Pedimos “bis” como se tivéssemos o poder sobre o tempo, sobre os dias, sobre o sopro que nos habita. Ficamos pasmados diante da ampulheta – a vida do outro que está dando sinais de querer deixar cair o último grão de areia. Queremos fazer a areia voltar para o lado de cima, ou chacoalhar a ampulheta para que tudo comece novamente. Mas nem uma coisa nem outra é possível. Então pedimos que médicos liguem nossos amados a dezenas de fios e tubos. Em alguns casos, já não há mais como reter a vida, mas somente adiar a morte. Se aquela pessoa que autorizamos “entubar” pudesse nos pedir algo, será que ela realmente aprovaria ficar indefinidamente inconsciente e ter suas funções vitais administradas por máquinas? Amar é poder reconhecer que fazemos parte de um grande mistério – a vida –, e saber se despedir faz parte desta vida. Mas isso pode ser assustador.
   Nesses momentos, faz ainda mais sentido o que Deus manda o profeta Isaías dizer ao rei Ezequias, quando este estava gravemente doente: “Eu vi as tuas lágrimas” (Isaías 38.5). Mas Deus não somente vê as lágrimas, ele promete consolo: “Ele enxugará dos olhos deles todas as lágrimas”. Essa é a promessa do próprio Deus (Apocalipse 21.4).

   Algumas vezes, no entanto, parece difícil sentir nossas lágrimas sendo enxugadas pelo próprio Deus. É como estar em uma caminhada de muitos quilômetros numa noite escura, sem lua cheia, e cansados para segurar uma lamparina, uma vela ou uma lanterna para alumiar o caminho. É preciso aceitar que outra pessoa possa, por algum tempo, auxiliar. E assim é que Deus nos alcança: através dessas muitas outras mãos que nos encontram.
    Na escuridão, na dor, no choro que não quer parar, sempre parece que o Deus de que tanto nos falam está longe demais, é forte para os outros, mas não para nós. Então é preciso que sejamos tocados por muitas mãos benfazejas para compreender que é ali, em nossa fraqueza, que começamos a reencontrar nossa força. É através dessas mãos que Deus nos alcança quando estamos fracos demais para encontrar a fonte da força que ele colocou dentro de cada um – o sopro divino em nós, o fôlego de vida.
   E depois de algum tempo, quando nos permitimos sair do silêncio profundo da tristeza e começamos a entender melhor, pelo menos um pouco melhor, o que aconteceu, será possível perceber que, na verdade, Deus não se calou diante da nossa dor, nem se afastou. Ele apenas respeitou a nossa necessidade de silêncio.



Texto extraído do Livro Eu vi as Tuas Lágrimas de  

Vera Cristina Weissheimer
P. 22 e 23


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