quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Divisão na essência de Deus


    A exposição da forte ambivalência presente em Lutero não ajuda a fazer avaliações fáceis de sua vida e teologia. A religiosidade moderna privilegia um meigo Jesus amigável sobre um severo Deus punitivo. Até os luteranos que ajam de uma maneira que corresponda à vontade de Deus – ao segundo uso da lei, que acusa os seres humanos se seus pecados. Porém, se pensamos sobre as várias dimensões de um mundo que está longe de ser perfeito, um mundo que diariamente é mergulhado na violência e degradação, então temos de admitir que os lados escuros da realidade precisam ter um lugar em nossa imaginação religiosa.
   O diabo talvez não seja o candidato favorito das teólogas e teólogos modernos para configurar uma imagem religiosa mais robusta do mundo em relação a Deus, mas algumas tradições cristãs contemporâneas de fato levam o diabo em consideração em suas ontologias. Com o diabo ou sem ele, a teologia moderna tem de levar a sério a questão do estabelecimento de uma relação da profunda aflição e dos poderes demoníacos do mundo com Deus. Não é fácil encontrar uma terminologia responsável e articular conceitos adequados para experiências dos aspectos ameaçadores e esperançosos da realidade. As várias maneiras que Lutero propôs para integrar os dois lados talvez não resistam ao teste do tempo presente, mas sua articulação do problema é, pelo menos, um bom ponto de partida. Deus deve ser concebido em relação à realidade que ele determina através de seu poder. Lutero não teve medo de se confrontar com essa relação, chegando inclusive ao ponto de fazer algumas afirmações perigosas sobre Deus e os inimigos de Deus. Nossa tarefa teológica contemporânea é levar, corajosa e criticamente, as importantes questões de Lutero um passo adiante.  

Texto extraído do Livro Lutero um teólogo para tempos modernos, P. 112
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