Conversamos com Eneas Alixandrino, proprietário da Livraria Alexandria em
Belo Horizonte, que falou sobre os hábitos de leitura dos brasilerios e trouxe
várias sugetões de livros importantes para ministros e leigos.
R. Eneas Alixandrino. Trabalho na
Livraria Alexandria, no centro de Belo Horizonte (Av. Augusto de Lima,
555/24-25), uma livraria especializada em livros teológicos. Trabalho
com minha esposa, Karen Alixandrino, que, além de teóloga, é também,
a pessoa responsável pela parte administrativa e financeira da
empresa.
2. Qual a sua formação
ministerial?
R. Minha primeira educação religiosa
advém do pentecostalismo clássico. Hoje sou pastor em comunidade
livre.
3. Há quantos anos você trabalha
no mercado evangélico e quanto tempo na empresa atual?
R. Comecei atuar no mercado de
livros evangélicos em 2001. Como proprietário, desde 2010.
4. Fale um pouco sobre o seu trabalho na
livraria e sua opinião sobre a leitura no Brasil?
R. Bom, nossa livraria surge com a
proposta de atendimento teológico especializado, que começa pela escolha dos
títulos ofertados ao cliente. O grande diferencial é a consultoria de acordo
com a necessidade apresentada pelo cliente, tendo como orientação sua tradição específica. Infelizmente,
no chamado mercado gospel, 80% do que é comercializado gira em torno de
autoajuda, quando não, o misticismo da “batalha espiritual”. Por convicção,
obviamente não mercadológica, não comercializamos este tipo de literatura,
cientes dos riscos que corremos, pois este tipo de livro,
majoritariamente, mantêm o mercado evangélico. Sobre a leitura no mercado
religioso, sou mais otimista do que a 15 anos. Hoje temos comunidades
que, através de suas lideranças, incentivam a partir do púlpito seus
membros à leitura. Em Belo Horizonte, temos bons exemplos.
5. Você acredita que o brasileiro lê
pouco? O que pensa sobre isso?
R. A leitura no Brasil quando
comparada com outros países, fica bem abaixo da média. Uma recente pesquisa mostrou
que: “o brasileiro dedica, em média, apenas 5 horas e doze
minutos por semana para a leitura de livros”. Ao que parece, a preferência
nacional é mesmo ver televisão (18 horas e quinze minutos), neste
quesito nos classificamos na oitava posição e ouvir rádio (17 horas
semanais). Também surpreende o apetite do brasileiro para a internet, por
aqui se gasta em média 10 horas e trinta minutos semanais com fins não
profissionais, o que nos coloca na nona posição do ranking. Esta mesma pesquisa
apontou que, no ranking de 30 países, o Brasil ocupa a 27ª posição na leitura.
Dentro desta média do brasileiro, Belo Horizonte está em posição
privilegiada em relação à leitura: "A capital mineira é a cidade onde mais
lê no Brasil. Segundo dados da pesquisa Target Group Index, do Ibope, 41% dos
belo-horizontinos leram pelo menos um livro nos últimos trinta dias. O número é
igual ao registrado em Porto Alegre e maior do que a média nacional, de 33% das
cidades pesquisadas”. Isto também pode ser explicado pela quantidade de livrarias por
habitantes, pois: "no ranking de número de livrarias por habitante: são
13.848 belo-horizontinos por estabelecimento. A média recomendada pela Unesco é
de uma livraria a cada 10.000 habitantes”.
6. Na sua opinião, o que precisa mudar
para que os cristãos brasileiros passem a ler mais livros? O que
está faltando?
R. Penso que esta indisposição com a
leitura é um fenômeno cultural e como brasileiros que somos
não saímos ilesos. Entretanto, também sou testemunha de que isto pode
ser trabalhado na educação religiosa ou no discipulado. Na minha
experiência, enquanto livreiro, temos visto transformações que nos deixam
maravilhados, não só em termos quantitativos, mas
também qualitativos. É comum recebermos clientes que entram na
livraria lendo “Bom dia Espirito Santo” ou “Ele veio para libertar os cativos”
e os trocam por autores como: Bonhoeffer, Brakemeier, John Sttot, Wright e
tantos outros. Mas de modo geral, isso pode ser promovido a partir
dos púlpitos das comunidades, pois creio que, as lideranças têm um
papel importante no incentivo à leitura. Até para isso é preciso que estes
líderes mesmo melhorem seu repertório de leitura, não se pode recomendar o que
não se lê. Ora, para combater o analfabetismo teológico, é preciso um
engajamento. Sou pastor há 20 anos, mesmo em comunidades de periferia onde pastoreei tivemos
bons resultados quando incentivamos a leitura.
7. Qual a sua opinião sobre os livros da
Editora Sinodal?
R. Minha relação com a literatura da
Editora Sinodal vem desde 2001. Seus livros têm trazido boas contribuições
à formação teológica no Brasil, principalmente para
aqueles que almejam uma leitura mais acadêmica daquilo que
é produzido no velho continente. Também estou ciente de que suas
contribuições ainda podem melhorar, pois seus autores nacionais, professores
vinculados a Faculdades
EST,
que possui parceria com a editora, possuem acesso a boas leituras estrangeiras
que, podem em muito, elevar o nível de nossas leituras no Brasil
caso fossem traduzidos.
8. Que livro da Sinodal você indicaria
para as pessoas que estão iniciando a vida de leitor?
R. Acredito que
indiferente da tradição religiosa da qual faça parte, as obras do pai da
espiritualidade moderna - Dietrich
Bonhoeffer - precisam ser conhecidas,
principalmente “Vida em comunhão”, “Discipulado” e “Tentação”. Outro autor
da editora que indico muito para os leitores da livraria é Gottfried
Brakemeier. Sua habilidade em comunicar temas complexos com didática e
aplicação pastoral é incrível. Ele tem um poder de síntese invejável,
consegue ser profundo sem ser complicado.
9. Para leitores críticos e de gosto
apurado, quais livros da Sinodal você indicaria?
R. Então, para leitores mais críticos, a
Sinodal tem muita coisa a
oferecer: a Introdução ao AT e Teologia do AT, de Werner H. Schmidt, são
leituras importantes. Mas nos últimos anos, tenho recomendado muito o
livro “Historia Social do Protocristianismo”, e no final do ano que passou, a Sinodal publicou dois livros
que não podem faltar nas bibliotecas particulares: “Deus dos Vivos”, de
Reinhard Feldmeier e Hermann Spieckermann, e também “Introdução a
Hermenêutica do Antigo testamento” ,de Pablo R. Andiñach. Acho que
cometeria um sacrilégio se não mencionasse o importante livro sobre
eclesiologia neotestamentária “Igreja no Novo testamento”, de Jürgen
Roloff.
10. Uma palavra final sobre sua visão e missão pessoal
como cristão, leitor, pastor e teólogo sobre a importância da leitura na igreja
cristã.
Bom, eu acredito que além da vocação pastoral, também
tenho uma vocação para trabalhar com livros. Até acho que na eternidade vou
continuar como livreiro, possivelmente as pessoas vão comprar sem dinheiro...
rs. Este ofício, enquanto livreiro, demanda acima de tudo ética. O
espírito mercadológico neste seguimento é sedutor, principalmente
em um mercado caracterizado pelo amadorismo. Eu acredito que o trabalho
também é um culto a Deus, o fato de nossa atuação profissional não estar
circunscrita ao espaço das manifestações cúlticas, não implica
ausência de espiritualidade. Sei que Deus não espera por mim para
encontrá-lo, mas vem ao meu encontro nas experiências enquanto
profissional. Penso que a experiência da leitura é uma sensação de termos
uma grande nuvem de testemunhas à nossa volta. A fé cristã é acima de tudo, uma
fé histórica, que chegou até a nós através de ricas tradições e os livros são
formas de preservar esta riqueza, viabilizando seu conhecimento. Acredito que
faz parte da vocação cristã a leitura, afinal de contas, a palavra sagrada se
fez livro. Buscar por instrumentalidade deveria ser a convicção primeira da
liderança, não se acomodar jamais às leituras do período de preparação
ministerial em um seminário teológico ou achar que a leitura do texto bíblico
sem o auxílio de outros olhares responderá nossas necessidades. São Tomas de
Aquino já advertia sobre o perigo de um homem de um único livro. No segundo século da igreja
(170-180 d.C.), Melitão, bispo da igreja de Sardes, foi questionado por um
membro de sua igreja, sobre a quantidade de livros sagrados da primeira aliança
aceitos pela igreja. O mesmo não soube responder pelas circunstâncias da época,
mas a pergunta o “moveu” a sair em uma viagem da Ásia Menor à terra de Israel
para pesquisar e trazer a resposta para sua comunidade. Penso que as
perguntas no seio da comunidade ainda precisam “mover” os cristãos a uma
peregrinação através da leitura, a começar por aqueles que compõem o governo da
igreja. É trágico na caminhada cristã, quando as perguntas já não promovem
um movimento em direção às respostas propostas por séculos do
labor teológico.
Uma boa reflexão do Pastor e Livreiro Eneas
Alixandrino a respeito da importância da leitura de bons livros para o
aprimoramento e crescimento espiritual.