quarta-feira, 9 de março de 2016

Entrevista com Eneas Alixandrino, proprietário da Livraria Alexandria em Belo Horizonte


Conversamos com Eneas Alixandrino, proprietário da Livraria Alexandria em Belo Horizonte, que falou sobre os hábitos de leitura dos brasilerios e trouxe várias sugetões de livros importantes para ministros e leigos.


Eneas Alixandrino e sua esposa Karen Alixandrino1. Qual o seu nome e em qual empresa trabalha e função? 
R. Eneas Alixandrino. Trabalho na Livraria Alexandria, no centro de Belo Horizonte (Av. Augusto de Lima, 555/24-25), uma livraria especializada em livros teológicos. Trabalho com minha esposa, Karen Alixandrino, que, além de teóloga, é também, a pessoa responsável pela parte administrativa e financeira da empresa.

2. Qual a sua formação ministerial? 
R. Minha primeira educação religiosa advém do pentecostalismo clássico. Hoje sou pastor em comunidade livre. 

3. Há quantos anos você trabalha no mercado evangélico e quanto tempo na empresa atual?
R. Comecei atuar no mercado de livros evangélicos em 2001. Como proprietário, desde 2010. 

4. Fale um pouco sobre o seu trabalho na livraria e sua opinião sobre a leitura no Brasil? 
R. Bom, nossa livraria surge com a proposta de atendimento teológico especializado, que começa pela escolha dos títulos ofertados ao cliente. O grande diferencial é a consultoria de acordo com a necessidade apresentada pelo cliente, tendo como orientação sua tradição específica. Infelizmente, no chamado mercado gospel, 80% do que é comercializado gira em torno de autoajuda, quando não, o misticismo da “batalha espiritual”. Por convicção, obviamente não mercadológica, não comercializamos este tipo de literatura, cientes dos riscos que corremos, pois este tipo de livro, majoritariamente, mantêm o mercado evangélico. Sobre a leitura no mercado religioso, sou mais otimista do que a 15 anos. Hoje temos comunidades que, através de suas lideranças, incentivam a partir do púlpito seus membros à leitura. Em Belo Horizonte, temos bons exemplos. 

5. Você acredita que o brasileiro lê pouco? O que pensa sobre isso?
R. A leitura no Brasil quando comparada com outros países, fica bem abaixo da média. Uma recente pesquisa mostrou que: “o brasileiro dedica, em média, apenas 5 horas e doze minutos por semana para a leitura de livros”. Ao que parece, a preferência nacional é mesmo ver televisão (18 horas e quinze minutos), neste quesito nos classificamos na oitava posição e ouvir rádio (17 horas semanais). Também surpreende o apetite do brasileiro para a internet, por aqui se gasta em média 10 horas e trinta minutos semanais com fins não profissionais, o que nos coloca na nona posição do ranking. Esta mesma pesquisa apontou que, no ranking de 30 países, o Brasil ocupa  a 27ª  posição na leitura. 
Dentro desta média do brasileiro, Belo Horizonte está em posição privilegiada em relação à leitura: "A capital mineira é a cidade onde mais lê no Brasil. Segundo dados da pesquisa Target Group Index, do Ibope, 41% dos belo-horizontinos leram pelo menos um livro nos últimos trinta dias. O número é igual ao registrado em Porto Alegre e maior do que a média nacional, de 33% das cidades pesquisadas”.  Isto também pode ser explicado pela quantidade de livrarias por habitantes, pois: "no ranking de número de livrarias por habitante: são 13.848 belo-horizontinos por estabelecimento. A média recomendada pela Unesco é de uma livraria a cada 10.000 habitantes”. 

6. Na sua opinião, o que precisa mudar para que os cristãos brasileiros passem a ler mais livros? O que está faltando?
R. Penso que esta indisposição com a leitura é um fenômeno cultural e como brasileiros que somos não saímos ilesos. Entretanto, também sou testemunha de que isto pode ser trabalhado na educação religiosa ou no discipulado. Na minha experiência, enquanto livreiro, temos visto transformações que nos deixam maravilhados, não só em termos quantitativos, mas também qualitativos.  É comum recebermos clientes que entram na livraria lendo “Bom dia Espirito Santo” ou “Ele veio para libertar os cativos” e os trocam por autores como: Bonhoeffer, Brakemeier, John Sttot, Wright e tantos outros. Mas de modo geral, isso pode ser promovido a partir dos púlpitos das comunidades, pois creio que, as lideranças têm um papel importante no incentivo à leitura. Até para isso é preciso que estes líderes mesmo melhorem seu repertório de leitura, não se pode recomendar o que não se lê. Ora, para combater o analfabetismo teológico, é preciso um engajamento. Sou pastor há 20 anos, mesmo em comunidades de periferia onde pastoreei tivemos bons resultados quando incentivamos a leitura.

7. Qual a sua opinião sobre os livros da Editora Sinodal?
R. Minha relação com a literatura da Editora Sinodal vem desde 2001. Seus livros têm trazido boas contribuições à formação teológica no Brasil,  principalmente para aqueles que almejam uma leitura mais acadêmica daquilo que é  produzido no velho continente.  Também estou ciente de que suas contribuições ainda podem melhorar, pois seus autores nacionais, professores vinculados a Faculdades EST, que possui parceria com a editora, possuem acesso a boas leituras estrangeiras que, podem em muito, elevar o nível de nossas leituras no Brasil caso fossem traduzidos. 

8. Que livro da Sinodal você indicaria para as pessoas que estão iniciando a vida de leitor?
R. Acredito que indiferente da tradição religiosa da qual faça parte, as obras do pai da espiritualidade moderna -  Dietrich Bonhoeffer -  precisam ser conhecidas, principalmente “Vida em comunhão”, “Discipulado” e “Tentação”. Outro autor da editora que indico muito para os leitores da livraria é Gottfried Brakemeier. Sua habilidade em comunicar temas complexos com didática e aplicação pastoral é incrível. Ele tem um poder de síntese invejável, consegue ser profundo sem ser complicado.

9. Para leitores críticos e de gosto apurado, quais livros da Sinodal você indicaria?
R. Então, para leitores mais críticos, a Sinodal tem muita coisa a oferecer: a Introdução ao AT e Teologia do AT, de Werner H. Schmidt, são leituras importantes. Mas nos últimos anos, tenho recomendado muito o livro “Historia Social do Protocristianismo”, e no final do ano que passou, a Sinodal publicou dois livros que não podem faltar nas bibliotecas particulares: “Deus dos Vivos”, de Reinhard Feldmeier e Hermann Spieckermann, e também “Introdução a Hermenêutica do Antigo testamento” ,de Pablo R. Andiñach. Acho que cometeria um sacrilégio se não mencionasse o importante livro sobre eclesiologia neotestamentária “Igreja no Novo testamento”, de Jürgen Roloff. 

10. Uma palavra final sobre sua visão e missão pessoal como cristão, leitor, pastor e teólogo sobre a importância da leitura na igreja cristã.
Bom, eu acredito que além da vocação pastoral, também tenho uma vocação para trabalhar com livros. Até acho que na eternidade vou continuar como livreiro, possivelmente as pessoas vão comprar sem dinheiro... rs. Este ofício, enquanto livreiro, demanda acima de tudo ética. O espírito mercadológico neste seguimento é sedutor, principalmente em um mercado caracterizado pelo amadorismo. Eu acredito que o trabalho também é um culto a Deus, o fato de nossa atuação profissional não estar circunscrita ao espaço das manifestações cúlticas, não implica ausência de espiritualidade. Sei que Deus não espera por mim para encontrá-lo, mas vem ao meu encontro nas experiências enquanto profissional. Penso que a experiência da leitura é uma sensação de termos uma grande nuvem de testemunhas à nossa volta. A fé cristã é acima de tudo, uma fé histórica, que chegou até a nós através de ricas tradições e os livros são formas de preservar esta riqueza, viabilizando seu conhecimento. Acredito que faz parte da vocação cristã a leitura, afinal de contas, a palavra sagrada se fez livro. Buscar por instrumentalidade deveria ser a convicção primeira da liderança, não se acomodar jamais às leituras do período de preparação ministerial em um seminário teológico ou achar que a leitura do texto bíblico sem o auxílio de outros olhares responderá nossas necessidades. São Tomas de Aquino já advertia sobre o perigo de um homem de um único livro. No segundo século da igreja (170-180 d.C.), Melitão, bispo da igreja de Sardes, foi questionado por um membro de sua igreja, sobre a quantidade de livros sagrados da primeira aliança aceitos pela igreja. O mesmo não soube responder pelas circunstâncias da época, mas a pergunta o “moveu” a sair em uma viagem da Ásia Menor à terra de Israel para pesquisar e trazer a resposta para sua comunidade.  Penso que as perguntas no seio da comunidade ainda precisam “mover” os cristãos a uma peregrinação através da leitura, a começar por aqueles que compõem o governo da igreja. É trágico na caminhada cristã, quando as perguntas já não promovem um movimento em direção às respostas propostas por séculos do labor teológico. 

Uma boa reflexão do Pastor e Livreiro Eneas Alixandrino a respeito da importância da leitura de bons livros para o aprimoramento e crescimento espiritual.